Zapatismo em “Sociabilidades emergentes y movilizaciones sociales en América Latina”

Sociabilidades emergentes y movilizaciones sociales en América Latina
coordinado por Armando Chaguaceda  y Cassio Brancaleone
Buenos Aires: CLACSO, 2012, 1a ed.

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Essa coleção de artigos de integrantes do Grupo de Trabalho (GT)  Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes,  do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), reúne, entre outros, três trabalhos que tratam diretamente do movimento zapatista: 1. A economia moral da autogestão zapatista, de Lucas Gebara Spinelli; 2. Democracia, autogoverno e emancipação: aproximações à práxis rebelde zapatista, de Cassio Brancaleone; e 3. Algunos desafíos de los procesos de construcción de autonomía en el movimiento zapatista, de Juan Diez. Registro, abaixo, pontos interessantes de cada um deles, respectivamente.

Antes, alguns esclarecimentos sobre o propósito do Grupo de Trabalho: “intentamos precisar por anticapitalismos – tema que nos ha traído un intenso debate, aún inconcluso – el conjunto de fenómenos y elementos asociados, solidarios y/o constituyentes de procesos, luchas y movimientos sociales y populares en las dimensiones que niegan, se oponen, problematizan, rechazan y/o frenan, intencionalmente o no, las lógicas de reproducción rectoras de las sociedades contemporáneas: a estas lógicas las podríamos llamar, en su versión fetichizada, de la forma capital y la forma Estado, como estructuradoras de relaciones sociales basadas en la heteronomía, o sea: relaciones centradas en distinciones jerarquizadas en sus modalidades de dominación (mando/obediencia, gobierno/gobernado) y explotación (productor/expropriador de la producción).

Por otra parte, la noción de sociabilidades emergentes nos sirve como sendero para pensar y/o interpretar estos procesos, elementos y fenómenos en sus dimensiones anticapitalistas, desde el lugar de las relaciones sociales más elementales, de las interacciones entre los sujetos, las organizaciones y colectivos sociales. Esto es, como el contenido de práticas y representaciones colectivas que expresan, en determinadas circunstancias e articulaciones, un cierto potencial anti-sistemico. Comprendemos por sociabilidades emergentes un mosaico de relaciones sociales motivadas y basadas en la horizontalidad, en la tolerancia, en la participación, en la apropriación del valor de uso, en la libertad, en la solidariedad; en suma, que de algun modo promuevan y caractericen tanto en el mundo popular organizado como en lo no organizado dinámicas autoorganizativas y protagónicas. Seguramente se debe cuestionar el estatuto de ‘emergencia’, en particular cuando se piensa en la profusión de tantas otras ‘emergencias’ de lo que hace mucho ha estado presente, solo que invisible en las miradas colonizadoras, epistemicidas y etnocéntricas que hasta poco han sido la matriz incuestionable de las ciencias sociales en nuestra región. Pero por ahora, más que señalar la novedad, que es inexacta, creemos que con esa noción buscamos enfatizar una más reciente ola de manifestación y re aglutinación de dichas sociabilidades.” (p. 11-2)

Além disso, o GT assume uma vocação para associar e articular a investigação sociológica e o ativismo político. Num primeiro aspecto, como ciência social crítica e comprometida com a realidade. Num segundo, a partir de uma relação entre investigação e ativismo em que investigador(a) e ativista se mesclam, sendo facetas entramadas de um mesmo sujeito. Ou seja, “el investigador sufre, vivencia, y/o protagoniza el proceso de lucha social que él mismo relata, narra, analiza e interpreta. Es un especie de etnografía politicamente motivada donde se cruzan fragmentos biográficos, existenciales, personales (que sabemos que jamás se encuentran aislados, aún en los análises sociales supuestamente más ‘objetivos’) con interpretaciones teóricas, colectas de datos e informaciones obtenidas a partir de la relación con otros sujetos y de la propria arena o escenario donde se traban los combates y/o se concretizan las dinámicas de luchas y de los movimientos sociales. El invetigador/activista o el activista/investigador es, en ese sentido, un tipo de punto de comunicación y traducción ambivalente entre dos mundos y dos lógicas  de explicación de  – o intervención en – mundos. Aquí, el aspecto más relevante nos parece que es la posición, el lugar desde donde se habla y actúa.” (p. 13-14)

E, um terceiro aspecto, ainda incipiente e experimental, é a produção não só em espaços de luta, a partir do envolvimento de quem pesquisa, mas com esses sujeitos de luta – algo ainda apenas vislumbrado no horizonte teórico e metodológico. “Por cierto que no tenemos recetas y fórmulas de cómo conducir eso, más allá de intuiciones, pistas y deseos; todavía, entre las fronteras abiertas e incontenibles entre lo epistémico y lo normativo, conscientes de la comunicación mutua entre los dos mares hemos viajado con nuestra nave pirata.” (p. 14)

 

 

1. A economia moral da autogestão zapatista

por Lucas Gebara Spinelli, p. 121- 140

 

Diferentemente da maioria dos estudos sobre o zapatismo, que se centra nos comunicados oficiais do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), esse artigo aponta para o autogoverno nas comunidades como suporte material e simbólico da estratégia do movimento zapatista, entendido como “um amálgama político que envolve comunidades indígenas e um exército camponês de autodefesa a uma vasta rede de simpatizantes nacionais e internacionais” (p. 121).

No entanto, o autor enfatiza que o protagonismo cabe aos “camponeses indígenas habitantes da comunidades rurais de Chiapas, bases de apoio zapatistas (BAZ), que se organizam em assembleias comunitárias e indicam autoridades dos Municípios Autônomos e das Juntas de Bom Governo. Destaca ainda que as BAZ e os integrantes do EZLN “são mais indiferenciados entre si do que os serviços de inteligência militar gostariam, o que torna a separação entre uma análise do zapatismo civil e outra do militar uma ilusão científica, além de um discurso potencialmente alentador às forças de repressão do Estado” (p. 122).

Spinelli parte do conceito de economia moral de Thompson, que o utiliza para “definir o conjunto  de costumes no qual se amparava a plebe inglesa do século XVIII para garantir  o abastecimento de alimentos e provisões, em caráter de resistência ao crescimento das relações capitalistas no âmbito dos mercados locais”, sendo “na esfera da circulação que Thompson analisa os efeitos do liberalismo econômico e do avanço das relações capitalistas de produção no campo, que passaram a submeter as necessidades humanas por alimentos à lei da oferta e da procura, como uma nova força da natureza que, ao invés de destruir as plantações com pragas, pestes e catástrofes climáticas, submetia os consumidores de trigo aos humores do Mercado” (p. 123) – e se propõe a analisar o movimento zapatista sob esse prisma.

O autor coloca, brevemente, a autogestão política e a propriedade da terra, o meio de produção, como fatores de autonomia e deslocamento dos processos tipicamente capitalistas, que priorizam o lucro. Nas comunidades zapatistas, o foco é a provisão dos bens de primeira necessidade, o que Spinelli relaciona com o conceito de economia moral.

Na sequência, problematiza a origem dos recursos monetários necessários para a implementação de projetos comunitários – pois existem “algumas polêmicas relativas às reais capacidades dos auto-governos zapatistas suprirem as demandas de suas populações e sobre as possibilidades de uma atuação em nível local romper com o capital e suas relações predatórias” (p. 124).

Para além de cooperativas e mercados que beneficiam e escoam parte da produção campesina, foi criado o Banpaz – Banco Popular Zapatista principalmente para financiar tratamentos de saúde, pois apesar dos esforços voltados para a criação de um sistema de saúde autônomo baseado na medicina preventiva, “muitos moradores dos municípios autônomos locais necessitavam fazer empréstimos em dinheiro junto a pequenos proprietários da região para os casos em que precisavam viajar longos trajetos até um hospital estatal mais próximo” (p. 127).

Os recursos necessários para a criação do fundo que o banco gerencia advém principalmente dos impostos cobrados das empresas de construção de rodovias locais (p. 127). No entanto, a principal fatia dos recursos financeiros direcionados aos projetos do movimento vêm de apoiadores internacionais, “o que torna o zapatismo extremamente vulnerável à economia das ONG europeias” (p. 128).

A partir disso, questiona-se se existe uma gestação de uma economia alternativa por parte dos zapatistas (p. 129). “Da mesma forma que Holloway (2003) acentua o projeto zapatista como uma práxis que visa ‘mudar o mundo sem tomar o poder’ focalizando o poder político, Yáñez (2006) busca compreender os termos de uma possível práxis econômica, alternativa ao neoliberalismo, retomando as polêmicas entre os acadêmicos Victor Toledo, Sérgio Zermeño e Neil Harvey e o subcomandante Marcos, travadas logo após o lançamento da VI Declaração da Selva Lacandona em 2005.

Preocupado com as limitações da autogestão zapatista, Toledo estabelece os seguintes princípios para conceber um modelo de desenvolvimento econômico alternativo ao neoliberalismo […]:  biodiversidade e autogestão (aliança com a natureza), produção social do território, sustentabilidade como poder social (famílias, comunidades e regiões) e modelos agroecológicos (entendidos como formas de manejo da natureza baseados na teoria ecológica e nas práticas etnoecológicas dos mais variados povos). Também enuncia que há uma necessidade dos princípios anteriores serem complementados por um novo papel da ciência e da tecnologia, além da domesticação do mercado. E se pergunta se, do ponto de vista econômico, os Caracóis zapatistas são sustentáveis (Yáñez, 2006: 8).

O autor [Toledo, no caso] avalia que fechar as fronteiras e tentar ‘implantar clínicas, vendas escolas ou cooperativas mantidas unicamente pela solidariedade nacional e internacional’  (Yáñez, 2006: 8) é insustentável”. Ele aponta para uma articulação econômica com setores alternativos (verdes, justos e orgânicos) urbanos e industriais. (p. 129-30)

Já para Yánez, “a VI Declaração da Selva Lacandona não é muito clara a respeito de um programa de alternativa econômica ao neoliberalismo. Se a declaração tem por objetivo lançar um programa de lutas anti-capitalista abaixo e à esquerda, fundado nos princípios organizativos do mandar obedecendo, dela estão ausentes elementos referentes à economia, produção, emprego e comércio, a não ser quando apontados como parte do modelo capitalista neoliberal. Assim o EZLN estaria postergando uma discussão necessária sobre o desenvolvimento, em nome de uma postura politicista própria da esquerda tradicional naquilo que ela compartilha com o capital: o projeto de desenvolvimento das forças produtivas.” (p. 131)

Toledo indica ainda que “no México rural uma ampla gama de comunidades indígenas camponesas não pertencentes às fileiras zapatistas do EZLN recriam em seus próprios âmbitos territoriais um modelo de apropriação social da produção alternativo ao neoliberalismo, sem a necessidade de se definir politicamente”, sendo assim mais flexíveis para definir suas próprias maneiras de autogestão, diferentemente do zapatismo (p. 131).

Toledo critica também o fato de que a VI Declaração não faz “qualquer menção às milhares de comunidades indígenas camponesas voltadas à busca da sustentabilidade” e que o EZLN  não prioriza a relação com a natureza como o faz a cosmovisão meso-americana. Outra acusação seria a de a organização “lançar mão de antigas pretensões meta-territoriais, como a aliança operário-camponesa e uma nova Constituição no México, sem que tenha avançado efetivamente na consolidação das autonomias locais em seus territórios”. Conclui que “o EZLN se apresenta ao mundo como movimento social que funda novas práticas e relações sociais, mas possui objetivos iguais a qualquer outro agrupamento político tradicional”. (p. 131)

Sérgio Zermeño concorda com as indagações de Toledo e ainda aponta que pouco se fala da autogestão comunitária, e defende que essas experiências zapatistas deveriam ser visibilizadas para que pudessem inspirar outras comunidades. (p. 131)

“É importante notar que tanto Toledo quanto Zermeño se preocupam com o exercício das autonomias zapatistas enquanto experiências não-sustentáveis e condenadas ao âmbito local por causa da tutela do EZLN e suas pretensões de exercício do poder em escala nacional, que segundo os autores está evidente na VI Declaração da Selva Lacandona. Porém, ambos os autores não se preocupam com o exercício do poder do Estado e com as limitações impostas pelo capitalismo às autonomias zapatistas e não-zapatistas quando estas se limitam ao âmbito local.” (p. 131)

“De fato, se sobrepuséssemos dois mapas, um com as maiores reservas de recursos estratégicos e biodiversidade; outro com as regiões habitadas e as bases sociais de organizações camponesas e originárias atingidas pelos projetos de infra-estrutura, teríamos muito claramente uma sobreposição de recursos e populações atingidas em mobilização (Porto-Gonçalvez, 2009). São os expropriados da nossa contemporaneidade, expelidos das suas terras de subsistência, de soberania alimentar, de saberes ancestrais, sendo empurrados para as aglomerações urbanas para abastecer o exército industrial de reserva e ampliar a exclusão social.” (p. 132)

“Nesse contexto de avanço do capital contra os territórios indígenas e camponeses de Chiapas, torna-se reduzida a possibilidade dos zapatistas lançarem um projeto de oposição ao neoliberalismo que seja capaz de utilizar qualquer uma de suas experiências de desenvolvimento local como modelo a ser replicado por outros movimentos sociais, caso esse projeto não esteja conectado à luta política de abrangência nacional”. (p. 132)

O autor indica que o EZLN participa ativamente do Conselho Nacional Indígena (CNI), “cuja linha política de aliança entre homem e natureza rechaça abertamente a privatização de recursos naturais” (p. 133). Indica também que de acordo com Neil Harvey, “o debate sobre modelos de desenvolvimento alternativo é fértil, mas que certas experiências de desenvolvimento local citadas por Toledo não passam de ‘capitalismo ecológico neoliberal’ para o qual os esforços de apropriação social do território por parte das comunidades não pode ceder espaço” (p. 133).

Já nas conclusões, trazendo o panorama zapatista para a discussão em torno do conceito de economia moral, o autor remonta a Marx, para quem “o direito natural à terra é historicamente esmagado pelo movimento expansivo da economia do valor-de-troca sobre as relações sociais existentes ao redor do globo, em função de uma única relação: a relação de capital, movida pela lógica da acumulação.” (p. 134)

“Como é sabido, Marx empreendeu uma análise crítica à economia política de Adam Smith e David Ricardo, conhecida como ‘clássica’. Os economistas clássicos se detinham na compreensão dos mecanismos de mercado que explicariam o acúmulo de riquezas pelos indivíduos, se apoiando em uma noção de homem econômico natural, cuja universalidade (a)histórica interligaria todos os homens. Os indivíduos acumulariam riquezas a partir de suas capacidades individuais de produzir bens e interagir com a ‘mão invisível’ do Mercado, reguladora das trocas econômicas através da lei da oferta e da procura de mercadorias. Ou seja, os indivíduos se realizariam enquanto comerciantes e não como produtores” (p. 135), individualização que se realiza, por um lado, pela forçada e crescente dissolução de laços comunitários e, por outro, por uma inserção obrigatória nos novos laços sociais de produção e consumo. De acordo com Marx (1982:4), na sociedade burguesa, o ser humano é não apenas um animal social, mas, contraditoriamente, “um animal que só pode isolar-se em sociedade”.

Nesse cenário conflituoso de subjugação e exploração político-econômica referido por Marx, o fruto do trabalho é apropriado de seu produtor por meio da propriedade privada dos meios de produção, pressuposto do Mercado instituído pelo Estado (p. 135). A partir dessa análise estrutural, ele chega a leis ou tendências históricas – contudo, de acordo com Thompsom (181, p, 170-1), “essas ‘leis’ ou ‘tendências’ não operam (ao contrário do que ele uma vez afirmou truculentamente) com ‘necessidade férrea no sentido de resultados inevitáveis’, [o que] pode ser explicado, em parte, por ter Marx subestimado às tendências contrabalançadoras em operação”. O que remete às históricas e intermináveis discussões em torno da obra de Marx no que diz respeito à relação entre sujeito e estrutura – e a crítica à tal da teleologia marxista da História, como se esta corresse em sentido linear para um fim único e inevitável.

O autor utiliza esse embate teórico “para refletir a transformação da terra em mercadoria e para pensar no surgimento da economia moral zapatista como mais uma manifestação das ‘tendências contrabalanceadoras’. Para Thompson, a economia moral não se resume a uma mera prática discursiva, um retorno ao passado, um resíduo reacionário ou romântico, mas constitui um princípio organizativo do modo de vida pré-industrial e assalariado, reinventado e reapropriado pela população em processo de proletarização que experimentava e compartilhava o avanço das relações capitalistas sobre os mercados de alimentos” (p. 136).

Segundo o autor (p, 137), Thompson indica “o acesso à terra e a seus produtos como o fundamento do modo de vida e da visão de mundo camponesa, constituídas pelo primado da subsistência e da reciprocidade. Uma vez que o avanço das relações capitalistas põe em xeque ‘a norma da reciprocidade e o direito à subsistência como elementos morais genuínos da ‘pequena tradição’ […] – isto é, na cultura camponesa, de modo universal’ (Thompson, 2005: 259), as massas camponesas resistem e se lançam na luta de classes”.

Spinelli (p. 137) conclui que “ao colocarem em questão os usos correntes da terra e do território, os zapatistas desenham no nível do discurso e da prática uma proposta de ruptura com o capital que […] acreditamos constituir um trabalho de base silencioso e cotidiano de construção política e econômica local e regional, subvalorizado pelas narrativas da ruptura revolucionária, mas que apenas poderemos compreender a partir de uma ênfase analítica nas implicações organizativas de tais processos autonômicos. Afinal, por que persistem em resistência?”

 

 

2. Democracia, autogoverno e emancipação: aproximações à práxis rebelde zapatista 

por Cassio Brancaleone, p. 141-154

 

El problema de la revolución no es destruir el

capitalismo, sino dejar de producirlo.

John Holloway

 

Brancaleone inicia enfatizando o papel central que o conceito de revolução adquiriu no imaginário e na ação política a partir, principalmente, da Revolução Francesa – mesmo que tenha sido antecedida e contemporânea a outras menos reverenciadas. “Entretanto, é importante considerar que a maioria de tais experiências modernas, relativamente exitosas enquanto formas autoconscientes de ação política, foi atravessada por pelo menos duas grandes e delicadas questões: 1) o processo de intensa mobilização e efervescência social denominado por revolução, constituído em uma dada representação coletiva da transformação social e política, geralmente identificava o Estado e o aparato de governo como arena central da luta liberatória, apelando por sua instrumentalização ou sua supressão imediata, e foi muito mais efetivo como meio (desbaratamento do poder instituído) do que como fim (transformação radical de toda uma determinada estrutura / realidade social), ainda que se tenha reconhecido explicitamente seus objetivos perseguidos como revolucionários (Wallerstein, 2005); 2) as teorias modernas da revolução que influenciaram os principais movimentos de massas do final do século XIX e boa parte do século XX, e fundamentalmente aquelas que resultaram no marxismo, sublinhavam o potencial revolucionário de uma classe (o proletariado) e a necessidade de que essa mesma liderasse o processo de mudança, muitas vezes ignorando ou diminuindo o fato de que essas teorias operavam com força organizativa em sociedades de base majoritariamente agrária, e onde o campesinato, inclusive aquele etnicamente diferenciado, foi em realidade muitas vezes não apenas o maior contingente populacional, como também o principal elemento político de desestabilização e enfrentamento da ordem (Wolf, 1973; Mitrany, 1957), especialmente pela sua condição de alvo do processo espoliativo típico dos processos de acumulação primitiva, também aludidos como ‘modernização’.

Se o sujeito político povo era amplo e abstrato demais para atuar de modo corporificado e organizado para determinar suas próprias condições de vida, em especial pelas divisões de classe que caracterizam as sociedades capitalistas modernas, por outro lado o sujeito político proletariado muitas vezes não passava de uma construção conceitual (Bordieu, 1989) deslocada nos cenários sócio-históricos em que era evocado, ainda que operasse com alguma eficácia social e simbólica. Se a força motriz que mantinha funcionando toda a engrenagem do poder estava concentrada no Estado, se ignorava ou se perdia de vista todo um conjunto de relações de poder disseminadas pelas mais diferentes regiões da vida social e que fornecia as condições materiais e simbólicas para que o Estado atuasse como uma instituição legítima e com capacidade ordenadora (Foucault, 2008). Sua conquista, portanto, submetia seus novos detentores a toda uma dinâmica de dominação que novamente reproduzia, sob os auspícios de novos atores, velhas relações de poder.” (p. 142-3)

A superação desse modelo de unidade homogênea em torno de um projeto revolucionário, característico da esquerda marxista tradicional, começou a ganhar visibilidade a partir de 1968 – seja através de novas leituras do marxismo seja pela recuperação de outras visões de esquerda, entre as quais destaca o anarquismo. “Assim, se podemos atribuir algum valor à ideia de que ‘a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro do vivos’ (Marx, 1978), certamente estes rastros e irradiações intermitentes nunca foram absolutamente apagados da memória e história da resistência dos subalternos” (p. 144-5).

O autor propõe analisar o zapatismo, para além de suas características locais e situacionais, como sintoma de uma experiência global, mais ampla, inserida numa escala humana e planetária – o que diz respeito a um processo nas lutas sociais em que desloca-se o centro da análise (e da estratégia) da revolução para a esfera da vida cotidiana (p. 144), em que coloca-se força “mais na organização da ‘resistência’ do que na ofensiva contra o Estado e a oligarquia econômica e política que ele representa” (p. 145). Assim, o artigo se volta para as “formas de sociabilidade como meio de aceder analiticamente ao universo da vida cotidiana e suas diversas articulações com as relações de poder e a (re)criação de espaços públicos de deliberação democrática radical constitutivos da emergente experiência de autogoverno em curso no território rebelde” (p. 145).

Segue-se uma análise da organização política local: “Os zapatistas estão organizados em comunidades locais, agrupadas como um conjunto de famílias (que pode variar de seis até algo em torno de cem famílias, a despeito de que a maioria das comunidades que observei possuírem pouco mais de vinte famílias) situadas em um determinado território. As famílias possuem geralmente mais de cinco membros, constituindo uma unidade de produção e consumo, típico do que se considera uma economia camponesa” (p. 145). E, ao contrário do que se pode pensar, há uma grande diversidade étnica nas comunidades.

O autor explica que nem todos os membros de uma família são necessariamente zapatistas, assim como nem todas as famílias de uma comunidade. Alguns nunca participaram do movimento, outros deixaram de participar pelo assédio externo (do governo, militares e paramilitares) ou por divergências internas – ou ainda simplesmente por se contentarem em já haverem conquistado a terra. Mesmo assim, há um reconhecimento tácito das instâncias zapatistas, e alguns, mesmo que não integrem o movimento, participam delas ocasionalmente. Por outro lado, as tensões internas são utilizadas pelo governo mexicano para implementar sua estratégia de guerra de baixa intensidade. (p. 145-6).

Entre os zapatistas, a assembleia é a instância máxima de deliberação e resolução dos problemas e gestão da vida coletiva. As comunidades possuem autoridades internas, que como todas no movimento zapatista, podem ser destituídas a qualquer momento por assembleia, o que é um dos recursos que permite a aplicação da máxima “mandar obedecendo” que resume a lógica de (auto)governo zapatista. Os cargos locais são: comissária(o) agrária(o), agente e responsável.

Os dois primeiros têm origem no sistema de ejido, modalidade de terra comunal instituído na constituição de 1917, de herança indígena colonial, que foi abolida na reforma neoliberal de 1992 – e que os zapatistas retomam. Ao primeiro cabe “encaminhar os procedimentos de resolução de conflitos agrários e discutir com a comunidade projetos produtivos relacionados à ocupação da terra” (p. 146). Já o agente é o “laço da comunidade com as autoridades municipais zapatistas” (p. 146). E o terceiro cargo, o de responsável, foi criado pelo movimento e serve para representar a comunidade frente à “organização” (que é como os zapatistas costumam se referir ao EZLN, o Exército Zapatista de Libertação Nacional). Frequentemente o responsável compõe as fileiras do EZLN, além de fazer o elo da comunidade com o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena (CCRI) da região. (p. 146-7)

Por sua vez, as comunidades se aglutinam num Município Autônomo Rebelde Zapatista (MAREZ), que estão “inseridos dentro de um ou mais municípios mexicanos oficiais (os ayuntamientos), organizados de forma descontínua territorialmente, como pequenas ilhas enlaçadas e federadas entre si, assinalando para um modo de pertencimento e filiação que é mais político do que territorial” (p. 147).

“Os MAREZ possuem um grupo de autoridades próprias, constituindo um Conselho Autônomo cujo número de membros varia de município a município, geralmente por um mandato de três anos e de natureza revogatória e rotativa. Possuem também um conjunto de comissões que variam segundo as necessidades de cada lugar, mas percebe-se a presença generalizada dos Conselhos de Educação e de Saúde, que organizam os chamados ‘promotores’ dessas duas áreas” (p. 147).

“Já um grupo de MAREZ, por sua vez, pertence a um Caracol e participa na constituição das denominadas Juntas de Bom Governo (JBG). Os Caracóis, atualmente em número de cinco, são regiões rebeldes mais amplas, articuladas entre si e onde geralmente predominam determinados grupos étnico-linguísticos. No que podemos considerar sua ‘sede’ (a área central de um dos MAREZ que o compõe) está instalada a estrutura física da JBG (escritórios, salas de reunião e assembleia, sala de comissões especiais etc) e também os espaços especiais para receber a sociedade civil nacional e internacional […]. Nos Caracóis se localizam também as maiores edificações, como bibliotecas, escolas, clínicas, bem como muitos veículos zapatistas” (p. 147-8).

“As JBG, como instância de coordenação dos MAREZ, possuem número de membros e mandatos variados, sendo igualmente rotativos e revogatórios, eleitos através das assembleias comunitárias segundo métodos e períodos distintos. Elas também formam comissões especiais temáticas para lidar com assuntos como educação, saúde, justiça etc” (p. 148).

Os cargos políticos não são remunerados – ou seja, seu exercício acaba sendo mais um sacrifício em prol da comunidade e do bem comum do que um privilégio. Essa dinâmica acaba garantindo a rotatividade, sendo que  a pessoa encarregada continua mantendo suas atividades, geralmente relacionadas à agricultura. “E cada comunidade e município é responsável por criar as condições para que os cargos possam ser exercidos por seus delegados, tanto através da aportação de recursos (geralmente, na forma do excedente produzido) quanto na forma de aportação de trabalho (garantindo auxílio no plantio, manutenção ou colheita nas terras daqueles que estão cumprindo funções públicas)” (p. 148-9).

“A experiência de autogoverno zapatista se aproxima, portanto, muito do que poderíamos traduzir como uma democracia sem Estado”  – e o Estado é entendido por Brancaleone como a “institucionalização da diferenciação social entre governantes e governados, o que modernamente se traduz como esfera política separada da sociedade civil, constituída por um corpo de funcionários especialistas (burocratas) e detentora do monopólio legítimo da violência” (p. 149).

Não existe nenhuma estrutura tributária permanente – os recursos são adquiridos à medida que são necessários, o que obstrui “o ethos do burocrata / tecnocrata gerente e provedor” (p. 149).

O autor destaca o papel exercido pela “sociedade civil” mexicana internacional e nacional no processo e aponta para a preponderância que o EZLN ainda exerce no movimento – mesmo que a intenção tenha sido desvencilhar a estrutura militar da civil com a criação das assembleias, dos MAREZ e dos JBG, assim como pelo exercício popular do autogoverno.

“Se por uma lado essa distinção é explicitada com honestidade pelos próprios dirigentes do EZLN, interessados no desenvolvimento do processo de autogoverno indígena e preocupados com a contaminação do projeto de autonomia no campo civil pela lógica hierárquica e centralizadora da estrutura da organização militar, por outro, é nas extremidades das instituições de autogoverno zapatista que se faz sentir o peso e a ascendência do corpo dirigente do EZLN. Nas comunidades, através dos ‘responsáveis’, e nas JBG, através das Comissões de Informação e Vigilância, quadros políticos e militares do EZLN resguardam e arbitram sobre os ‘princípios’ do movimento. Em uma situação limite, poderíamos dizer, paradoxalmente, que o principal obstáculo para a radicalização do processo de autonomia e autogoverno zapatista  é a própria existência do EZLN como organização político-militar entre os zapatistas, e que por sua vez, é o mesmo EZLN que tornou possível a realização desta experiência de autonomia.

Claro que é reducionismo grosseiro acusar unilateralmente o EZLN pelo problema, dado que ele é fruto de uma situação estrutural de violência, opressão, exploração e marginalização na qual os indígenas chiapanecos foram submetidos. Situação, aliás, que prossegue em grande medida. Porém, isto nos permite elencar duas considerações interessantes: 1) ou o ‘instrumento’ de libertação dos subalternos e oprimidos deve necessariamente ser destruído após alcançar seu objetivo (dado que ele comunga de boa parte da lógica sistêmica que fundamenta o mundo que o gerou); 2) ou é necessário apostar e investir na constituição de novas relações sociais que fundamentam novos ‘instrumentos’ de libertação que sejam eles mesmos por sua vez o próprio conteúdo da emancipação (nesse caso, o termo instrumento é nitidamente inapropriado, já que forma e conteúdo se equivalem).” (p. 151)

Nas suas conclusões, o autor aponta que a sublevação zapatista “foi a ponta de lança de uma série de eventos, manifestações e processos anti-sistêmicos desencadeados no início do século XXI (poderíamos mesmo, quem sabe, considerar 1994 como o marco fundamental que abre o século XXI, já que o século XX, de acordo com um importante historiador, se encerra em 1991), que colocou em seu devido lugar todas as teses do ‘fim da história’ e do ‘pensamento único’ que buscavam legitimar o capitalismo e a poliarquia (plutocrática e demofóbica) representativa como etapa madura e mais acabada do processo civilizatório.” (p. 152)

E destaca dois aspectos a partir do autogoverno zapatista: 1) que “a democracia não pode ser reduzida a um regime ou regras procedimentais” (p. 152) – apesar de evidentemente serem necessárias – e que igualmente necessita-se de “uma antropologia e uma sociabilidade que compatibilize ou torne possível a realização do fenômeno democrático” (p. 152); 2) a indissociabilidade entre forma e conteúdo, sendo que, “se a autonomia pode ser considerada o conteúdo da democracia, é pouco provável que ela seja passível de se realizar por […] instâncias fetichizadas do poder”, pois “ela é ao mesmo tempo seu meio e seu fim, se essa é a linguagem de inteligibilidade política (pelo menos desde Maquiavel)” (p. 152).

Entende-se assim o zapatismo como “a manifestação e realização de uma sociabilidade que evoca a autonomia, em sua dimensão de autodeterminação, autogoverno e autogestão”, tratando-se de uma sociabilidade emergente que “parece assediar as principais separações que fundamentam a modernidade capitalista: governo / governado, capital / trabalho, produtor / produto, homem / natureza, sujeito / objeto”, o que sinaliza para “uma leitura do processo emancipatório como identidade entre democracia e autonomia” (p. 152).

 

 

 3. Algunos desafíos de los procesos de construcción de autonomía en el movimiento zapatista

por de Juan Diez, p. 173-195

 

Para o autor, os zapatistas colocaram a autonomia não só no centro do debate político –  de maneira geral, no que tange ao Estado e aos partidos, e especialmente nas dinâmicas indígenas –  mas no cerne do seu projeto. Diez adota o conceito de autonomia de Adamovsky, o qual “entiende por proceso autonómico a aquel que apunta a la construcción de un colectivo que se rige de acuerdo a decisiones, reglas y formas de funcionamento definidas por y para el mismo colectivo” (p. 173). O que não significa se isolar, mas buscar criar laços que não reproduzam relações de poder e subordinação (p. 173-4).

Diez explicita sua opção por não abordar apenas o EZLN, mas o movimento zapatista como um todo, tendo em vista que na própria dinâmica de formação do EZLN ocorreu um entrelaçamento com redes e processos nas comunidades indígenas de Chiapas – e, a partir do levante de 1994, com um grupo mais amplo de organizações e indivíduos do México e do mundo todo, formando o que se pode denominar uma rede política em movimento. “El EZLN ocupa una posición central por ser el núcleo detonador, y por la relevancia de sus iniciativas y discursos; pero el movimiento en su conjunto lo desborda” (p . 174). E toda essa rede em torno do EZLN, por sua vez, acaba influenciando em sua dinâmica, numa relação de mútua influência, retroalimentação e constante reconfiguração – o que é, aliás, umas das características distintivas do movimento zapatista.

O autor também se propõe a não considerar apenas o que o EZLN fala sobre si mesmo – postura frequentemente assumida em análises dos famosos comunicados do Subcomandante Marcos (p. 174), mas apresentar algumas reflexões a partir de diversas análises do zapatismo – tanto oficiais quanto científicas e militantes – e da sua experiência de campo nas comunidades zapatistas (p. 175).

Diez coloca que a questão da autonomia indígena não estava sinalizada nos primeiros documentos zapatistas – isso porque havia preocupação em dar um caráter nacional à luta, para evitar que tentassem delimitar o conflito a uma questão local ou étnica (p. 175). Destaca-se que “las autonomías indígenas no son modelos establecidos, sino que las distintas propuestas y sus experiencias concretas se han nutrido de múltiples antecedentes históricos al tiempo que han ido constituyéndose y modificándose a lo largo de los años” . Sendo assim, a diversidade de experiências possibilita pensar em processos autonômicos, no plural, ressaltando que assim como o próprio zapatismo, as autonomias indígenas não podem ser encaradas como um bloco homogêneo. (p. 176)

Para demonstrar a natureza complexa e multifacetada do processo, o autor lembra que, antes de o EZLN constituir 38 municípios autônomos em rebeldia (que posteriormente passariam a ser denominados MAREZ – Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas), o que se daria em dezembro de 1994, o Conselho Estatal de Organizações Indígenas e Campesinas (CEOIC) de Chiapas havia convocado a formação de Regiões Autônomas Pluriétnicas em outubro do mesmo ano.

“Se sigue así una dinâmica que el antropólogo Bonfil Batalla (1987) señalaba en su ya clásico texto sobre el México profundo: los pueblos indígenas crean y recrean constantemente su cultura, reflejando una particular dinámica de tensiones y resignificaciones, de continuidades y rupturas, donde al mismo tiempo que refuerzan sus ámbitos proprios, van haciendo suyos elementos culturales ajenos. Esta dimensión innovadora y creativa tiende a ser borrada tanto por los sectores conservadores que plantean el rechazo y la superación de las prácticas indígenas por considerarlas arcaicas y contrarias a la modernidad, como por quienes idealizan dichas prácticas viéndolas como huellas inalteradas de las culturas indígenas e inherentemente democráticas.” (p. 177)

O projeto autonômico zapatista foi tomando corpo a partir das mesas de negociação com o governo após o confronto armado. O EZLN convidou e abriu o processo a várias organizações e pessoas, o que fez com que o debate acerca dos direitos, da cultura indígena e dos processos autonômicos se expandisse. Apesar do governo não ter cumprido com sua palavra, o EZLN, junto ao Congresso Nacional Indígena e vários outros atores que se somaram, construíram ao longo de anos propostas, processos e legitimidade nas lutas indígenas por autonomia. Buscou-se encerrar esse ciclo de relação com o Estado na Marcha pela Dignidade Indígena em 2001, que pressionava para que o Congresso realizasse uma reforma constitucional referente aos temas indígenas. No entanto, a reforma aprovada no fim do mesmo ano não só não levou em conta as demandas apresentadas , mas resultou inclusive em retrocesso, o que permite falar em uma “contrarreforma indígena” (p. 178)

A partir daí, iniciou-se um processo interno de reestruturação  e fortalecimento das comunidades indígenas zapatistas. Realizou-se uma consulta nas bases e em 2003 se anunciou a criação dos Caracóis e das Juntas de Bom Governo (p. 178). São eles, respectivamente: “‘Hacia la Esperanza’ en el Caracol Madre de los Corazones del Mar de Nuestros Sueños, en La Realidad; ‘Corazón Céntrico de las y los zapatistas delante del Mundo’ con sede en el Caracol Resistencia y Rebeldía por la Humanidad, en Oventic; ‘Nueva Semilla que va a Producir’ en el Caracol que Habla para Todos, en Roberto Barrios; ‘Corazón del Arco Iris de la Esperanza’ en el Caracol Torbellino de Nuestras Palabras, en Morelia; y ‘El Camino Futuro’, cuya sede se encuentra en el Caracol Resistencia hacia un Nuevo Amanecer, en La Garrucha” (p. 179).

Uma das principais funções das JBG é facilitar a coordenação entre as comunidades zapatistas e outras organizações para melhorar a distribuição de recursos e projetos – mas são as assembleias comunitárias as que discutem e aprovam ou não as iniciativas. Além do mais, as comunidades elegem e fiscalizam os integrantes das JBG, podendo revogar os mandatos caso considerem necessário (p. 179). Com as Juntas, “se introdujeron cambios tendientes a ampliar los beneficios de la autonomía a todos los miembros de la comunidad sin distinción de filiación política, a fin de intentar reducir las confrontaciones entre comunidades zapatistas y no zapatistas”, sendo que essa relação é bem mais entramada do que uma visão simplista poderia supor (180).

O processo de autonomia não se restringe a aspectos políticos, mas busca transformar as relações em todas as suas dimensões.” En ese sentido, junto a la construcción de formas de autogobierno, se ha avanzado en la impartición de justicia y en la creación de colectivos productivos, culturales, de salud y de educación proprios” (p. 180), o que faz-se de suma importância frente à política zapatista de se negar a receber serviços ou ajuda estatal (p. 181). “El desafío es construir, en las prácticas cotidianas, sociabilidades e instituiciones de nuevo tipo. Prácticas y formas de funcionamento que puedan problematizarse, controlarse, revisarse y modificarse, como lo muestra el proprio proceso autonómico zapatista” (p. 181).

Uma das maiores tensões dentro do movimento é a separação entre a estrutura militar do EZLN e os processos de tomada de decisão. A diretiva é que o EZLN não deve influir nas decisões comunitárias, o que “se dice fácil, pero en la práctica cuesta mucho”, como coloca o próprio EZLN na Sexta Declaração da Selva Lacandona. Mas a existência do EZLN ainda é necessária, apesar de sua estrutura hierárquica, tendo em vista as ameaças militares e paramilitares que as comunidades continuam sofrendo.

“Para Díaz-Polanco, la creación de instancias autonómicas a nivel regional es la expressión más clara de que las autonomias no pueden concebirse como pequeñas entidades aisladas, sino que requieren articular y coordinar tales esfuerzos a través de un gran movimiento político, social y cultural para avanzar en la construcción de un proyecto democrático para cada vez más amplios sectores de la sociedad” (p. 182).

Em junho de 2005, na Sexta Declaração, convocou-se a outra campanha, uma série de encontros com diferentes setores da sociedade mexicana para debater um programa de lutas de esquerda e uma nova constituição. “La cuestión de la autonomía respecto del Estado y de los partidos políticos apareció antes – y mucho más claramente definida – en el discurso zapatista que la construcción de autonomía en las comunidades indígenas. Desde un primer momento, el EZLN planteó que su proyecto no estaba orientado a la toma del poder ni a la participación política en elecciones.” (p. 183)

O autor faz uma retomada das lutas históricas no México a partir da década de cinquenta, e destaca a dependência das organizações sociais frente ao Estado. “Fue talvez el movimiento estudiantil de 1968 quien puso en primerísimo plano la cuestión de la independencia de las organizaciones populares” (p. 183).

O EZLN, desde sua aparição pública, iniciou uma guerra contra o Estado e o sistema político mexicano, sendo assim um dos elementos que deu forma ao zapatismo – e a disputa simbólica foi tão importante quanto a militar nesse processo. O movimento “se valió de los formidables elementos simbólicos dentro del imaginario social así como de los lazos identitarios y memorias construidos a lo largo de la historia para tender puentes con otras organizaciones y personas dentro de México” (p. 184), e o fato de ter o Estado como inimigo acaba sendo um elemento unificador entre diversas lutas.

Apesar dessa postura combativa ao sistema político, o EZLN se dispôs a negociar com o governo e até mesmo relacionar-se com partidos políticos, destacadamente o Partido da Revolução Democrática (PRD). Já a partir da Sexta Declaração, a luta zapatista não mais se deixou orientar pelo sistema político e suas instituições, mas enfatizou a necessidade de pensar a mudança a nível das práticas sociais e das subjetividades (p. 185).

“Pese a las lecturas abstencionistas o antielectorales, lo que plantean los zapatistas
a partir de la Sexta es que ya no van a proponer ni a promover negociaciones con
la clase política o el apoyo a alguna candidatura (EZLN, “Reunión preparatoria con
organizaciones políticas de izquierda”, 6 de agosto de 2005). No es un llamado a no
votar, sino a que la tarea fundamental en este período es el encuentro y conocimiento
de los distintos grupos, colectivos y personas que están luchando contra el capitalismo,
entre quienes ir discutiendo, coordinando y articulando iniciativas. Por lo tanto,
más que una posición antipolítica, como muchos le critican, el movimiento zapatista
pareciera más bien buscar desafiar la noción dominante de política y otorgarle nuevos
sentidos (Cf. Melucci, 1999; Álvarez, Dagnino y Escobar, 2000” (p. 186) – e é esse o sentido da outra campanha.

Ao mesmo tempo que a postura radical frente à “política oficial” é um dos maiores entraves nas relações zapatistas com outros atores, essa não é uma exclusividade do movimento, sendo que as diferentes estratégias e leituras referentes ao Estado e à participação em eleições são elementos que levam à ruptura entre movimentos de modo geral (p. 187).

A defesa da necessidade de relação com o Estado normalmente está atrelada a uma visão de que isso permite mudanças a curto prazo, e já as transformações que propõem o movimento zapatista seriam mais do âmbito de médio e longo prazo. “Estas visiones se refuerzan aún más dentro de la cultura política fuertemente estatal y paternalista interiorizada profundamente en la mayoría de los mexicanos.” (p. 187)

E, em alguma medida, até mesmo o EZLN e a outra campanha acabaram reproduzindo “ciertas prácticas verticalistas, proprias de la cultura política mexicana cimentadas durante las largas décadas de partido de Estado” (p. 18). “El problema es esa dependencia a la palabra y acciones del EZLN en muchos casos no es generada por los zapatistas, sino que se encuentra férreamente arraigada en los demás” (p. 188), o que exemplifica a constante tensão entre conseguir colocar em prática as propostas apresentadas no plano discursivo.

Entretanto, é fato que por meio da outra campanha criou-se uma extensa rede de organizações e indivíduos que muitas vezes nem sabiam da existência uns dos outros. “Si bien los zapatistas son quienes lanzaron la iniciativa, la dinámica va más allá de ellos, a partir del esfuerzo – muchas veces silencioso – de todos los grupos, organizaciones y personas que adhirieron a la ‘Sexta Declaración’ y participan del proceso. Tal vez una de las mayores fortalezas de la otra campaña sea el énfasis dado al trabajo, con o sin los zapatistas, ‘en el nivel local, con nuestros propios medios. Sobre todo evaluarnos, criticarnos, mirarnos al espejo y preguntarnos lo que somos, lo que sabemos hacer, lo que estamos haciendo, lo que llevamos hecho, lo que podemos hacer más adelante, fijar objetivos, pues’ (Rojo, 2006). Trabajo que, si bien está anclado en el ámbito local, tiene que pensarse y realizarse articulado con el resto del movimiento zapatista” (p. 190).

A partir desse processo, buscou-se resolver algumas tensões do projeto político zapatista, “mostrando más claramente un distanciamiento del modelo tradicional de organización política, al desplazar las luchas dirigidas al Estado y al sistema político hacia formas de acción que conciernen a la vida cotidiana y que se orientan más bien a modificar matrices culturales, formas de sociabilidad así como de pensar y hacer política. En un contexto como el mexicano, marcado por una cultura política profundamente paternalista, jerárquica y estatal, la emergencia de propuestas y prácticas que buscan la construcción de autonomía, la horizontalidad y la multiplicidad representa un importante cambio cultural”  (p. 190-1).

No entanto, não se trata de negar a importância do Estado, fazendo de conta que ele não existe. Pelo contrário, se trata de colocar as relações, tensões e resistências frente ao Estado no centro do debate. Contudo, constata-se que é difícil deslocar esse processo autonômico construído nas comunidades de Chiapas para os centros urbanos, onde é bem mais complexo construir movimentos totalmente por fora do Estado. (p. 191)

Mas os zapatistas reconheceram reiteradas vezes ao longo da outra campanha que a aliança com outros grupos, organizações e pessoas é vital para sua luta: “no podemos solos”, dizem eles. Um dos desafios que qualquer movimento enfrenta é o de visibilizar sua luta “y contrarrestar las relaciones de poder que se generan continuamente en las interacciones sociales, incluso hacia adentro de los propios movimientos y organizaciones populares” (p. 192). Trata-se, portanto, de uma construção permanente, crítica e reflexiva de autonomia.

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