Zona Zero e Zona Um: bioconstrução e permacultura na prática

Curso aplicou conhecimentos e técnicas para a construção de casas e entornos residenciais produtivos, ecológicos e harmônicos

Por Michele Torinelli

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Feriado de Páscoa e cerca de 40 pessoas resolveram fugir dos convencionais encontros de família para aprender um pouco de permacultura e de bioconstrução coletiva na Nova Oikos. O curso foi facilitado pela anfitriã Mildred Gustack e pelo convidado Marcos Ninguém, conhecido pelo movimento permacultural que está encabeçando em Alpestre (RS).

Pra começo de conversa, Marcos esclarece que permacultura é um apelido para design em permacultura. “Usamos a palavra design, como na sua origem, em inglês, porque não existe uma boa tradução para o português. Teríamos que usar muitas palavras para traduzi-la, como composição, desenho, planejamento, projeto etc”, explica. E mesmo o termo permacultura é polêmico, sendo frequentemente traduzido como cultura permanente. Para Marcos, cultura nunca é permanente, mas algo sempre em transformação. “Seria mais uma cultura de como viver mais tempo no planeta, de modo sustentável, viável para todas as formas de vida”, defende.

A anfitriã Mildred Gustack e o convidado Marcos Ninguém

A anfitriã Mildred Gustack e o convidado Marcos Ninguém

 

O design em permacultura, resumidamente, consiste no planejamento de ambientes humanos sustentáveis, prática que dialoga com a agroecologia, com a bioconstrução e com a agrofloresta – mas cada um desses termos revela concepções e práticas distintas. O design permacultural baseia-se em princípios de cooperação, sustentabilidade, conexões entre elementos e funções planejadas. “Cada função é apoiada por diversos elementos e cada elemento desempenha diversas funções” – eis um dos mantras da permacultura. E entende-se que uma prática é sustentável quando seu ciclo energético é fechado – ou seja, gerando o mínimo de entropia. A permacultura vai além: faz com que a intervenção humana em meio à natureza não só produza a mesma quantidade de energia que gasta, mas realize um aporte energético no sistema.

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Marcos Ninguém e suas muitas histórias

 

Marcos acredita que a permacultura tem condições concretas de reverter os danos ambientais que o capitalismo predatório tem causado na Terra. Ele conta que Bill Mollison, um dos fundadores da permacultura, implementou um projeto que colocou teto verde em todas as casas de um bairro em Dusseldorf, na Alemanha. O resultado foi uma diferença de temperatura de dois graus em relação ao centro da cidade. “Imagina fazer uma ecovila para abrigar os desalojados do desastre em Mariana? Ia faltar lugar para tanta gente que ia querer participar”, acredita Ninguém. Lá em Alpestre ele está fundando duas ecovilas, um diplomado em permacultura – que vale como especialização para quem tem graduação e como curso técnico para quem não tem -, e já tem mais dois diplomados a caminho: de ecovilas e de bioconstrução (acompanhe toda essa movimentação em Alpestre aqui).

“Sou contra o capitalismo, mas vai colocar o quê no lugar? A permacultura veio dar a resposta de como seria esse outro mundo, na prática – o saneamento, a agricultura e até a economia -, coisa que os ‘ismos’ não me responderam”, conta Ninguém, que se diz um cara de esquerda, de posição política definida, “descendente dos barbudos, dos movimentos sociais, dos cubanos”, como ele mesmo fala.

 

Zona Zero e Zona Um da Nova Oikos

A proposta do curso foi implementar o design e as práticas permaculturais no espaço da Nova Oikos. Zona zero e zona um, na permacultura, dizem respeito à morada e aos espaços imediatos à ela – ou seja, o ambiente de vivência cotidiana. No caso da Nova Oikos, trata-se do alojamento, da cozinha, dos banheiros e da área de confraternização.

Coleta e preparo dos materiais de bioconstrução

Coleta e preparo dos materiais de bioconstrução

 

O curso começou pela prática: na quinta-feira (24) juntamos os materiais necessários para os trabalhos que seriam realizados nos próximos dias. A previsão para o dia seguinte era de muita chuva, portanto, as atividades práticas ao ar livre vieram antes da teoria, invertendo o planejamento inicial do curso. Tudo adaptável aos fatores sociais e climáticos, como preconiza a permacultura.

À noite rolou uma roda de apresentação e uma conversa com Marcos Ninguém – mas, como não podia deixar de ser com esse polêmico permacultor, nada nos moldes convencionais. Um círculo em volta do fogo, de profunda conexão com os outros, com a natureza e com o espírito, ancorado pelo tabaco agroecológico produzido em Alpestre. “Tabaco é medicina, a medicina da palavra”, acredita Marcos. E por isso ele desenvolve um trabalho de plantio do tabaco com agricultores em Alpestre, consorciado com milho, feijão e outras espécies.

Rezo do tabaco

Rezo do tabaco

 

“Nossas medicinas sagradas foram violadas”, denuncia, e por isso é necessário ir contra sua banalização, fazendo o uso consciente e o resgate do seu poder. E, além do aspecto cultural e espiritual, gera-se renda e saúde para os agricultores, que não precisam mais lidar com os insumos químicos tão comuns na indústria do tabaco e recebem um preço bem melhor pelo seu produto, cujo processo de produção não agride a Mãe Terra – pelo contrário, a beneficia.

Na sexta-feira (25) o céu desaguou sobre nossas cabeças, como esperado, e aproveitamos para nos recolher e ter uma conversa com Marcos sobre design em permacultura e sobre os princípios e sistemas da permacultura com Mildred. No final fizemos um exercício de planejamento para a Nova Oikos, a partir de elementos reais: cozinha, banheiros, área de confraternização e casa de ferramentas.

Finalização das paredes do banheiro seco

Finalização das paredes do banheiro seco

 

Já no sábado (26) colocamos a mão e o pé na massa: terminamos de levantar as paredes do banheiro seco com os detalhes das garrafas e fizemos o reboco fino; a parede externa do alojamento também ganhou uma camada de reboco fino; surgiram dois novos canteiros de onde sairá o “brise vegetal”, proteção contra o sol na casa de ferramentas; e construímos um belo forno, acompanhado de balcão e fogão foguete.

Construção de novos canteiros

Construção de novos canteiros

 

Forno em formato de pirâmide inca, balcão com mosaico e fogão foguete sendo avaliados no rolê final com Mildred

Forno em formato de pirâmide inca, balcão com mosaico e fogão foguete sendo avaliados no rolê final com Mildred

 

Domingo (27) foi dia de fazer um tour de avaliação das obras realizadas ao longo do curso, acertar os últimos detalhes das construções, limpar a casa e preparar a partida. Dia também de muitas despedidas. Eis o que fica de mais rico, para além de todo o aprendizado objetivo: as trocas e conexões que esses eventos proporcionam, as sementes plantadas, as pontes estabelecidas. Que a cultura de sustentabilidade e transformação planetária se multiplique cada vez mais!

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Veja mais imagens do curso aqui, aqui, aqui, acolá, aqui, , aqui, acolá, , aqui, aqui, acolá.

Confira esse videozinho.

E veja as receitinhas de argamassa para reboco fino, solo-cimento e massa de preenchimento utilizadas no curso.

 

Publicado originalmente na página da Nova Oikos em 30 de março de 2016.

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