Diário de obra 1

Aquele meu velho sonho de construir uma casinha no mato está começando a se tornar real…

Já fizemos o projeto, a fundação, agora chegou a vez da estrutura de madeira – etapa que começaria em dois dias, não fosse a chuva que resolveu chegar para ficar.

Um intervalo que me leva a refletir sobre esse processo, rememorar e documentar.

Essa é a segunda vez que planejo construir minha casa. A primeira foi numa experiência de criação de coletividade em Morretes (PR). O meu desejo não era e não é apenas construir uma casa no mato, isoladamente, como uma solução individual pra vida. Necessito e quero ter o meu espaço (e ojalá em breve terei), mas dentro de uma vida que faz sentido, comum, em coletivo, em busca da harmonia de relações com todas as formas de vida.

Precisei ir até os reconditos áridos do México pra ter clareza que o meu lugar é mesmo a Mata Atlântica, bioma em que nasci (já tinha tido esse vislumbre na Chapada dos Veadeiros, lugar mágico e encantador, mas em que não me vi criando raiz). E precisei ter essa experiência em Morretes muito focada nas questões materiais (plantar, construir) pra perceber que coletividade é muito mais que isso, e que a questão crucial gira em torno das relações – com as pessoas, mas não só. Com toda a comunidade viva.

Assim que me conectei profundamente com o Bem Viver. Não basta aprender a plantar e construir: é necessário despatriarcalizar, descolonizar, olhar para relações, trabalhar as comunicações, os afetos, os laços de rede, o espírito, a cultura, a vida em comum em toda sua diversidade. O sentido, uma trama de muitos sentires e sentidos, dessa existência.

Depois de muito caminhar (mais de 3 anos!) conhecendo experiências de Bem Viver, vim parar em Maquiné, e aí todos os meus interesses convergiram: agroecologia, coletividade, permacultura, modo de viver Guarani, espiritualidade, arte, cultura, luta, alegria, redes e … Bem Viver.

Após um primeiro contato no Encontro Regional de Grupos de Agroecologia (Erga Sul) aqui em Maquiné (RS) em maio de 2019, vim me aproximando pouco a pouco do Território Junana, co-ancorador do Erga. O Encontro foi realizado na Tekó Jeapó, escola autônoma Mbya Guarani construída num processo colaborativo em rede.

Passei um mês. Depois voltei, passei outro mês. Deitei minhas sementinhas sagradas de awaxy eté, o milho ancestral Guarani que carregava na minha andança toda, nesse território. Me propus a avaliar nesse ciclo, até a colheita, se esse seria o local para eu ficar. E calhou que sim. E aí fui caminhando o território, observando, conhecendo, adentrando os matos, para ir reconhecendo onde seria o local de levantar uma morada. Depois de um ano de minha chegada aqui é que cheguei a essa definição.

Escolher onde morar é se deixar ser escolhidx pelo território, por todos os seres que aqui habitam. Se abrir pra ouvir. Acompanhar o ciclo da lua, do sol, das estações nesse pedacinho de chão. Fui abrindo o mato (uma capoeira não muito antiga) e comecei a cultivar algumas plantinhas. “Coincidentemente” havia plantado o milho, awaxy eté, não  muito longe dali. Comecei a preparar canteiros, tirar pedras, plantar tabaco e pimenta – e mais milho.

Até que, definido o lugar, comecei a fazer uns rabiscos de como seria essa morada. E decidi contar com o apoio da Yapó, coletivx de arquitetes (e engenheiro) amigues que têm em comum esse caminhar cotidiano de vida boa, o envolvimento com a luta e a cultura dos povos, especialmente Guarani, e a noção de que a vida em coletividade faz muito mais sentido.

E assim, a partir do que aprendi desse (e nesse) território, observando o ciclo do sol, os ventos, as quatro direções, e ouvindo as minhas vontades e necessidades, ouvindo o Espírito, cheguei ao rascunho que a galera da Yapó transformou nesse lindo projeto.

 

 

 

 

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